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Cursivo

quarta-feira, agosto 30, 2006

Contraditório

Recebi e agradeço, pela parte de Madalena Figueiredo (que integra a direcção da APD), uma resposta ao post que fiz a propósito da sessão que a sua associação realizou na Faculdade de Belas Artes da UP. Aqui fica.

Há pouco terminou a sessão de esclarecimento que a APD veio fazer à Faculdade de Belas Artes, que tinha como objectivo dar a conhecer a dita associação junto de potenciais interessados.

é verdade a pedido de alguns designers do Porto fomos convidados a apresentar a APD, porque ainda há gente que acha positivo associar-se

Logo de início, algo já não estava bem: fomos presenteados com uma apresentação deslavada em Powerpoint, com enfoques demasiado longos no fraquinho logo da APD.

relativamente ao Powerpoint se quiser dar o seu contributo é bem vindo, desde que seja melhor, quanto ao logotipo, é o logotipo da APD desde a sua fundação, criado por Sebastião Rodrigues e que temos muito orgulho quer goste ou não goste.

Sucederam-se as premissas da associação, com um ar de algo já visto: os seus objectivos serão a "protecção da classe", "representar os profissionais junto do Estado", "zelar pelo normal funcionamento da classe" e outros pontos que nos levam para o domínio dos lugares-comuns, tão caros ao discurso corriqueiro de tecnocratas.

evidentemente que os objectivos de uma Associação de Classe são "algo já visto e lugares comuns", não deixam por isso de ser importantes, não quer isto ddizeer que não estejamos abertos a contribuições que posssam melhorar a nossa performance.
E já agora:
Está estatisticamente comprovado, Portugal é um dos países com a taxa de associações per capita mais baixa. Está sempre latente esta descrença às associações, a desconfiança, até, do "eles só foram para lá para se encher", ou por vezes este ser mesmo o motivo único pelo qual algumas associações são criadas, sem qualquer propósito cívico ou social. No geral, há falta da noção que a Sociedade se constrói pelas contribuições do Estado, de cada indivíduo e dos vários grupos de pessoas, profissionais ou outro tipo que se organizam. Quanto a mim, esta atitude de acharmos que alguém (Estado) tem a omnisciência e a omnipresença de tomar conta de tudo e fazer tudo por nós, é a pior herança do salazarismo! E é a pior por que está profundamente enraizada em cada português, de tal modo que quase não nos damos conta disso. Estaremos, ao fim e ao cabo, ainda à espera do D. Sebastião? Quando é que nos vamos dar conta que NINGUÉM VAI FAZER NADA POR NÓS A NÃO SERMOS NÓS PRÓPRIOS???

Esta apresentação (que no final apela convenientemente à adesão de todos à APD) parte de princípios bastante questionáveis. O que dominou foi um discurso básico, quase demagógico, à volta da defesa da profissão e da auto-regulação; falo de demagogia devido à insistência em argumentos como a limitação do exercício de design a licenciados, que cai sempre bem a um estudante, futuro licenciado, que nunca tenha pensado muito na coisa (é um assunto que surgirá novamente neste blog), e o não reconhecimento por parte das entidades fiscais da profissão de designer, que me parece mais um argumento fácil e circunstancial para aumentar o discurso do coitadinho e do orgulho profissional do que alguma preocupação honesta com o assunto.

não sei bem qual é a sua honesta preocupação? mas as burocracias também são necessárias, e já agora perguntamo-lhes é estudante de Design? é auto didacta? se não tem orgulho no que faz porque é que o faz? não nos achamos coitadinhos, mas somo uma profissão recente que tem direito ao seu estatuto como qualquer outra......

Falou-se também na necessidade de estabelecer critérios de qualidade dos trabalhos e dos próprios designers, e é aqui onde a argumentação ganha contornos mais perversos. Para não me alongar demasiado, apenas posso dizer que não tenho muita confiança quando ouço as mesmas pessoas que apresentam directivas em apresentações Powerpoint sofríveis a falar da necessidade de padrões de qualidade.

pelos vistos é um barra em Powerpoint, a maneira dos tecnocratas comunicarem as suas exposições, por acaso a APD tem como sócios não só como fundadores "a crème de la crème", muitos deles também aí do Porto....

Outro ponto que me causou bastante incómodo é a apresentação da associação como um foco de consenso entre os designers. O problema é que não podemos falar de consenso se não existe qualquer discussão formal sobre qualquer assunto - basta tomarmos o exemplo da tão desejada Ordem dos Designers, que foi referida, e cito, como um "desenvolvimento natural" da própria APD. Existem toda uma série de polémicas e questões menos superficiais que parecem querer ser ignoradas e tomadas como certas pelas mesmas pessoas que dizem procurar estabelecer consensos sobre elas - e isto é mais do que grave, é desonesto.

é claro que numa classe tem de haver consensos, o que não quer dizer que também não haja divergências, mas há coisas como por exemplo a deontologia que rege a profissão ou até os limites dela que tem de ser consensuais, não percebo, penso que vive em Portugal, e a menos que pratique algo de menos honesto, qual é o problema de uma Ordem?

Um bom exemplo desta ausência de consenso é o facto, discutido em profundidade nesta sessão, de existirem duas associações de designers a realizar trabalho paralelo: a APD e a AND. Quando perguntei se existiam contactos entre as duas, deu para perceber que existem problemas muito mal resolvidos dentro da própria classe. Parece existir uma birra entre as duas, embora o senhor da APD tenha admitido que a única diferença entre as duas são os estatutos (?!) Se a própria estratégia de associativismo é passível de discórdia, não é concebível que estas duas associações nos tentem vender assuntos como a Ordem enquanto opiniões consensuais.

é verdade que existem 2 asssociações e que não se estão a dar lá muito bem, a AND foi fundada por um sócio da APD enquanto esta esteve paralisada, mas o que acontece é que os sócios da APD querem uma Associação forte e na continuação da velha APD. Temos os nossos pregaminhos.

O que é triste, no final, é assistir a uma sucessão de argumentos mal polidos em função da burocratização do design, cujos resultados parecem convir mais aos anseios mais tecnocráticos de alguns do que à relevância do próprio design. Ao menos, deu para perceber com quem é que estamos a lidar.

lembro-lhe que somos uma associação de designers e não de Design. Não é nossaa intenção pormos o Design de lado, até porque não queremos que o Design se faça sem os deesigners, mas as burocracias são necessárias com deve imaginar, e aproveito para o informar que está a lidar com o que de melhor há em Portugal. Se quiser contribuir com as suas ideias para melhorar a APD faça favor.
Madalena Figueiredo , sócia Nº 9

terça-feira, agosto 29, 2006

Re: Petição

Não sou o primeiro a escrever sobre o assunto, mas de qualquer maneira será útil aprofundar esta discussão, já que este assunto é provavelmente um dos temas mais relevantes dos últimos tempos na área do design.

A APD lançou uma petição (pdf), amplamente difundida, endereçada à Assembleia da República sobre o reconhecimento da profissão de designer. A AND respondeu, com uma carta aberta (pdf) enviada para várias pessoas e depois publicada no seu site, apresentando sérias críticas à iniciativa da APD, referindo que a própria AND já tinha efectuado grande parte desse trabalho e que a própria petição demonstrava ignorância dos trâmites legais necessários. Presumo que a AND tenha razão nas afirmações que faz e que, de facto, os requisitos legais para esta exigência não se fiquem pela simples discussão na AR.

No entanto, podemos entender como sendo algo arrogante da parte da AND esta reacção face a uma iniciativa concreta com vista ao reconhecimento da profissão. Além disso, esta associação faz questão de realçar o seu conhecimento dos mecanismos jurídicos, sendo que nos seus próprios estatutos podemos encontrar várias situações questionáveis. Ora vejamos:


Artigo 29.º (Exercício da profissão), ponto 1:

1- Apenas os profissionais inscritos na AND podem, no território nacional, usar o título profissional de designer e praticar os actos próprios da profissão.
2- Genericamente, os actos próprios da profissão de designer consubstanciam-se em estudos, projectos, planos e actividades de consultoria, reportados ao domínio do design tridimensional e bidimensional.

(retirado dos estatutos da AND)

A ordem ainda não existe. Existem as associações. Segundo os estatutos da AND, é necessário ser sócio (e pagar as quotas) da associação para se poder praticar design. Ora, isto não é verdade – nem legal. Qualquer associação apenas pode regular sobre os seus associados; só as ordens profissionais podem regulamentar a actividade alheia – chama-se a isto capacidade jurídica de direito público (que as associações não têm). É curioso que o departamento jurídico da AND,
que referiu o seu conhecimento dos procedimentos legais neste contencioso com a APD, seja responsável por este tipo de afirmações.

Artigo 29.º (Exercício da profissão), ponto 1:
3- O designer deverá usar como única abreviatura do seu título académico e profissional a designação: D.er

O título profissional é uma demonstração de orgulho oco, que neste caso pode até ser interpretado como um complexo em relação aos arquitectos. A prática do “senhor doutor”, “professor doutor” ou “senhor arquitecto” (e a
concretizar-se esta proposta, “senhor designer”) é um caso concreto em que se tenta impor artificialmente um determinado estatuto social, em vez de o conquistar dentro da sociedade através de acções. Falta compreender que a profissão só avançará com discussões e argumentos abertos, e não com indicadores postiços de respeito e estatuto como o são os títulos profissionais, um triste resquício de tradições oitocentistas. A profissão afirmar-se-à através de actos, e não obrigando as pessoas a tratarem-nos como Sr. D.er, dando até a impressão de que não se terá outra forma de afirmar o seu trabalho que não seja a imposição desse “respeito”.

Para terminar, a AND diz-se, e cito, “a instituição representativa dos licenciados e diplomados em Design que, em conformidade com os presentes estatutos e demais disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de designer” (Estatutos, Artigo 1º, alínea 1). É curioso como, ao longo de um curso de 5 anos, nunca se sentiu a presença (e mesmo a existência) da associação que supostamente me representa agora que o terminei. E já agora, a profissão de designer, legalmente, ainda não existe (e daí a petição); mais um caso em que o departamento jurídico da AND podia ser mais atento.

Demonstrações de força como a carta aberta da AND não vão, naturalmente, resolver qualquer dos problemas com que a actividade se debate agora. Temos duas associações que lutam pelo mesmo território, defendendo as mesmas causas e agitando as mesmas bandeiras. Porquê, então, esta animosidade face a uma causa comum? Não é a primeira vez, e certamente não será a última. É uma pena que se gastem energias em lutas de poder e no caminho desprezar a discussão aberta e sincera sobre as questões práticas com que todos nos debatemos enquanto designers. E isto diz respeito às duas associações, claro. Ninguém sai bem deste episódio.


Nota: É estranho como, sendo o
pólo de comentários que é o Ressabiator, os últimos dois posts (sobre a petição e sobre estágios) não tenham recebido ainda qualquer comentário, apesar de terem sido publicados há mais de uma semana. É curioso como a discussão do estatuto do design e do designer, em termos abstractos (por exemplo esta), atrai tantas pessoas para dar o seu contributo; por outro lado, quando se abordam problemas concretos, práticos e actuais da actividade, ainda não surgiu nada. Espero que seja das férias e que este assunto não fique pelo caminho.