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Cursivo

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Morte estranha

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) anunciou que iria cortar a sua contribuição para a realização da bienal Experimenta Design em 2007. A Experimenta cancelou o evento, responsabilizando a CML e anunciando que vai avançar para os tribunais.

A posição da CML, a julgar pelas explicações que deu, é muito triste. Cortar o apoio a uma iniciativa que já dura há 8 anos com relevo internacional significativo, com base no argumento cansado e pouco sincero dos “cortes orçamentais”, é infelizmente mais um murro na barriga da cultura nacional.

Por outro lado, a posição da Experimenta, que cancelou o evento acusando a CML de “assassinar a Experimenta” com o corte orçamental como argumento, também levanta questões. Os números não batem certo:

  • o orçamento para a edição de 2007 da Experimenta era de €2,6 milhões,

  • a contribuição da CML para esse orçamento era de 500 mil euros – 20% do total,

  • logo, com a retirada da Câmara a Experimenta só terá assegurados agora €2,1 milhões (1)

Poderíamos aceitar que já não existam condições para a realização da bienal de 2007, mas há que considerar que a Experimenta'2005 custou 1,8 milhões de euros (segundo o Sol). Se neste ano a Experimenta tem 2,1 milhões assegurados neste orçamento, porquê o cancelamento total? Se a Festa da Música, face a um corte de 66%, manteve a realização – embora naturalmente mais reduzida – do evento (2), porque é que a Experimenta não pode, nesta situação, fazer ao menos um evento com o nível de há dois anos? (eu estive lá e valeu a pena)

Guta Moura Guedes disse à imprensa, na véspera do comunicado da Experimenta e reagindo ao anúncio dos cortes orçamentais, que “os motivos [do cancelamento] são muito mais profundos”. No dia seguinte o cancelamento era justificado apenas por esses mesmos cortes. A posição de vitimização da Experimenta (“assassinar” é um termo bastante forte) não coincide com a óbvia existência de condições para prosseguir com um evento 20% menor (mas mesmo assim mais orçamentado do que a edição anterior). As culpas do cancelamento estão a ser unicamente dirigidas aos "políticos".

A Experimenta não está sob a tutela do estado e, como tal, não tem de dar quaisquer explicações para as suas acções – mas o seu comunicado de imprensa é claro em apontar todas as responsabilidades à Câmara de Lisboa pelo cancelamento. As reacções a responsabilizar a Câmara incluem uma petição já com 1500 assinaturas (até à data). A medida unilateral e arrogante da CML revela uma total incompreensão das noções mínimas de investimento cultural, dada a dimensão da bienal da Experimenta. Perde-se imenso. Quanto a isso estamos conversados.

Mas tendo em conta que a Experimenta tem a possibilidade financeira real de realizar um evento, com um interesse nacional demonstrado pelas reacções de indignação por todo o lado, é à Experimenta que se tem de perguntar porque é que em vez disso o cancelou.

Porque é que não vamos poder ter uma Experimenta em 2007, afinal?

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(1) Presume-se que nenhum outro patrocinador da Experimenta terá retirado o seu apoio como consequência da medida da CML. Caso contrário, seriam ainda piores notícias para a Experimenta e certamente o assunto teria sido abordado no seu comunicado de imprensa, e não foi.

(2) "A partir do momento em que tivemos um corte de 600 mil euros, ou mantínhamos a Festa da Música, ou cortávamos na programação que anunciámos", revelou, ao DN, António Mega Ferreira, que hoje falará do novo evento, Dias da Música, que decorrerá também a 20, 21 e 22 de Abril, "igualmente com muitos concertos, mas não tantos".-- DN – 21 de Novembro de 2006